Roubei esta imagem na Rua São Sebastião da Pedreira porque... tinha a máquina fotográfica comigo. A verdade é essa. A personagem principal era um qualquer sem abrigo (a falta de abrigo rouba-lhes ainda o nome), o "jornal" era o 24 Horas, e a mesa de operações um contentor do lixo. Nos tempos que correm, poder-me-iam dizer que este mesmo contentor era uma redacção de um qualquer jornal e eu acreditaria, sem demoras. Este mesmo sem abrigo, analisando assim em close up, não deixa de ser um qualquer leitor. Quem sabe o mesmo que lê estas linhas. Este sem abrigo, que tão gentilmente se debruça sobre os restos mortais de tanta e tanta comida, pode ser, num close up ainda mais apertado, você. O que o/nos separa dele não poderá ser assim tanto. Por dentro, caro leitor que me acompanha, sou muitas vezes o homem que se deixa fotografar nesta imagem. Por dentro, numa qualquer escada que conduz às àguas furtadas da cabeça, sou assim. Preto e branco, sujo, cansado, mas de mente ocupada, e nunca, mas nunca a ler o 24 horas. O preto e branco não é um puro acaso da foto. A foto, caro leitor, está na realidade a cores. A preto e branco, vê-a quem fechou as cortinas da mente. A preto e branco, vê-a quem já não se vê a cores.