domingo, 23 de julho de 2006

Peito em carne viva

Feitas as contas, de ontem para hoje fiz uns 1000 kms.
São muitos, mesmo contados com paciência. Mas foram bons, muito bons.
Ontem, por volta das 19h, saí de Lisboa com a alegria com que se sai de Lisboa.
Estendem-se dois braços de alcatrão, só para nós.
Vê-se tudo a ficar para trás e a cabeça vai adormecendo o lado agitado.
As árvores, em conjuntos de muitas, empurram-nos o olhar para outros carros. Vistos bem, vão todos de suspensão a lamber o chão, atestados de tudo o que havia lá em casa, porque "nunca se sabe".
O português não vai de férias, vai de casa.
Cães a contarem traços brancos de estrada, fraldas a quebrar a luz nas janelas, rolos de papel higiénico na montra do vidro de trás, porque todos sabemos que tirando Lisboa, poucas cidades aderiram a essa moda recente.
Tudo. E ainda cinco pessoas.
Invertem-se os factores. Temos um conjunto de malas que, por acaso, dá boleia a cinco pessoas.
E seguimos, de olhos em pontos mortos.
Depois de muitas promessas às paredes fracas do estômago, às 21h30 estava sentado, na Mealhada, de Leitão às portas da boca.
Deixei-o entrar. Com honras de estado e tudo o mais que tinha disponível.
Saladinha temperada pelas mãos de quem sabe.
Uma mesa cheia de companhia mais que boa, que só assim se come bem. Come-se com tudo.
Dormir. De mãos dadas, para não te perder.
Acordar. De mãos dadas.
Cantanhede-Carvalhais-São Pedro do Sul.
Tudo visto de peito em carne viva.
Lindo. De nos apetecer rasgar os olhos para ver mais.
Amo-te-nos cada vez mais, sabias?
O meu relógio grita duas da manhã.
Cheguei há hora e meia, mas ainda não cheguei.
Vou ficar lá mais um dia, mas vou dormir aqui.
Dás-me a mão?