"Tá morto".
Aquilo que queria que fosse o seu epitáfio.
Um escritor provocador que nos deixa aos 82 dois anos.
Fica a obra.
A destacar "A Comunidade".
Leiam, que só depois da morte se reconhece a vida.
” Quando a dor no peito me oprime, corre o ombro, o braço esquerdo, surge nas costas, tumifica a carótida e dá-lhe um calor que não gosto; quando a respiração se acelera em busca duma lufada que a renasça, o medo da morte afinal se escancara (medo-mor, tamanha injustiça, torpeza infinita), aperto a mão da Irene, a sua mão débil e branca. Quero acordá-la. E digo : «não me deixes morrer, não deixes…» Penso para comigo, repito para me convencer: «esta pequena mão, âncora de carne em vida, estas amarras suas veias artérias palpitantes, este peso dum corpo e este calor, não me deixarão partir ainda…» E aperto-lhe a mão com força, e acabo às vezes por adormecer assim, quase confiante, agarrado à sua vida. Ah, são as mulheres que nos prendem à terra, a velha terra-mãe, eu sei, eu sei ! São elas que nos salvam do silêncio implacável, do esquecimento definitivo, elas que nos transportam ao futuro, à imortalidade na espécie (nem teremos outra) pelo fruto bendito do seu ventre (eu sei, eu sei…) ”
Excerto de ” Comunidade “, de Luiz Pacheco.