Ontem, ao contrário de todas as previsões, fui ao Bingo.
Sim, ao Bingo.
Já não ia há anos, anos esses em que saía da Buraca para ir descobrir o mundo dos adultos.
Ou da ideia que tinha deles.
A primeira vez que entrei numa sala de jogo foi com o Nuno, que era o meu vizinho do quinto B e o Carlos, do prédio da frente.
Nessa altura fomos ao Bingo do Estrela da Amadora.
Só nós e a adrenalina de estar ali a brincar aos adultos, a 100 escudos o cartão.
Nunca me calhou nada, e nunca tive grande fascínio por salas de jogo.
Cheguei mesmo a gritar "linha!" depois de já só se estar a jogar para Bingo.
E as caras todas viradas para mim a dispararem setas na inocência da minha idade.
Anos depois soube bem voltar, porque não foi combinado.
O improviso aviva o peito.
E continua a ser um universo extraordinário.
Desde uma senhora que estava na nossa mesa e vinha de Vila Franca de Xira até Lisboa só para "torrar" dinheiro, até um senhor já com um grau simpático de álcool no sangue, que estava desempregado, e a jogar o pouco que tinha na carteira às escondidas dos gritos da mulher.
E a eterna voz colocada da senhora que canta os números que vão saíndo, com um misto de aborrecimento e frustração de nunca ter tido um programa de rádio.
É tudo isso, e muito mais.
E não, não ganhei absolutamente nada.
Mas há coisas que não foram feitas só para ganhar.
Ontem voltei a ter dezanove anos, e soube-me a pouco.