terça-feira, 11 de agosto de 2009

1929-?



Já foi dito tudo o que havia para dizer sobre a partida do nosso querido Raul Solnado.
Deixou uma herança do tamanho de Portugal, e essa ninguém nos tira.
Teve, quanto a mim, como trunfo maior a inteligência com que construiu a sua carreira, coisa que muito ele estimava.
A primeira pergunta que ele me fez quando o conheci foi: "Tu queres fazer umas coisas ou queres uma carreira?"
E esta pergunta fez-me pensar mais do que aquilo que eu era capaz na altura.
Percebi que de facto a diferença é mais que muita e que tudo nasce a partir dessa pergunta.
O Raul soube construir uma carreira com todas as peças no sítio certo, cuidadosamente estudadas para não ruírem ao mínimo tremor.
E a par disso era um homem de peito cheio, com o sentido de dever cumprido no assunto: "aproveitar a vida".
Tinha a simpatia de uma criança desenhada no rosto, que desarmava quem quer que fosse.
E uma modernidade que fez com que todas as suas imagens de arquivo sejam ainda hoje momentos de frescura cómica.
O que mais me emocionou na minha experiência com o Raul foi perceber a vontade de trabalhar que tinha dentro dele, e o coração que teimava em atrasá-lo.
Tinha o coração gasto de tanto o viver.
Não quero ir mais para os clichés que se usam nestas alturas, mas ficarei para sempre com a memória de no último dia de gravações o Raul ter-me chamado e ao nosso realizador e ter dito: "Hoje foi a última vez que fiz televisão, já não tenho mais forças. Obrigado por estes momentos."
Ao ver as "Divinas Comédias" não consigo parar de pensar o quanto ele estava ansioso por ver o resultado final, que seria partilhado num jantar que iria acontecer quando o primeiro episódio fosse para o ar.
"Vês, como afinal querias uma carreira..." disse-me há uns meses.
E quero.
Que seja um décimo da do Raul, e já fico de papo cheio.
Até sempre.

A frase que Raul queria no seu epitáfio é de uma grandiosidade exemplar:
"Aqui jaz Raul Solnado, muito contra a sua vontade"
Sublime.