Finalmente, assaltaram-me o carro. A ideia já era antiga, concretizou-se sexta-feira, quando tudo acontece. Era comum deixar casacos e valores pessoais (alguns deles impessoais), no banco, mala, etc. Sempre achei que o meu carrinho deveria andar composto caso surgissem visitas inesperadas. Não queria que alguém entrasse janela dentro e encontrasse só uma garrafa semi-violada de óleo para o motor e um triângulo de sinalização. Acharia de muito mau gosto. Enfeitei então a bagageira com um Ipod Nano, carteira com respectivos documentos, casaquinho novo, e tudo o que um bom espectador automobilístico anseia. Deixei toda uma viatura decorada, limpinha, e fui à minha vida, que o Bairro Alto já deambulava rouco, de tanto me chamar.
Voltei 3 horas depois, pé ante pé, para o caminho ser mais calcado. Esquina dobrada e encontro o meu querido automóvel (que deus o guarde em descanso), com uma fractura exposta no vidro do passageiro. Sorri, gritei ao mundo a felicidade de alguém se ter lembrado de tal simpatia, e depois limpei, nervo a nervo, o puzzle de vidro temperado que jazia no banco. O meu bilhete de identidade, entre muitos outros documentos da mesma entidade, andam de portugal em portugal até sabe deus (e nem mesmo ele) quando.
Sexta feira, 4h da manhã, 11 graus, e eu, era o único valente a deslizar uma Marginal de janela aberta.
Parte direita do meu corpo paralisou.
Aguento-me então com um pulmão, e um braço esquerdo que se têm portado bem que é uma coisinha parva.
Hoje, o meu carro têm uma decoração mais minímalista, mas com muito, muito bom gosto.
O meu irmão Nikita não voltará a Kharkiv.
Há 4 semanas