terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Declaração Amigável

Ontem bati.
Tratava-se de Lisboa, às 17h30.
O caos, em qualquer cidade.
Acrescente-se o facto de em Lisboa já nem sequer haver hora de ponta.
A hora de ponta de Lisboa começa quando o sol nasce e acaba quando o sol nasce.
Confesso que ao fazer marcha-a-trás nem me apercebi que lá estava um carro.
Daí, talvez, ter batido nele.
E ouço a cabeçada de dois carros.
Fechei os olhos, olhei para o retrovisor, e disse um "foda-se", muito parecido com o que disse quando soube que afinal não poderia ir ver Dave Matthews Band.
Este foi dentro do mesmo tom, talvez uma oitava acima.
E aqui para nós, falhou-me a voz no "o" e fui ao falsete.
Deprimente.
Saio do carro como quem vai para um funeral.
Olho apressadamente para o meu pára-choques antes de olhar para o do outro carro.
O meu fui eu que o paguei.
O dele sou eu que vou pagar.
Nada no meu.
Um farol para dentro no dele.
Sorri.
Não pelo desastre em si, mas porque o farol para dentro fazia daquele carro um Opel Corsa estrábico.
Mas só para mim.
Ele sai do carro. Não com ar de quem vai para um funeral, mas com ar de quem causou o funeral.
Vai na direcção do pára-choques dele.
Olha para mim, e faz-me a pergunta que só um génio do mais alto gabarito consegue fazer:
"Epá! Então você não viu!?!"
Confesso que se soubesse que ia ser esta a pergunta teria batido à mesma, mas com mais força.
Digo-lhe um: "dá-me a entender que não, senão era menino para ter parado".
O carro ainda estrábico.
O proprietário menos, mas tinha um casaco que também tinha a sua piada.
Preencho aquilo a que teimam em chamar "Declaração Amigável".
E não é.
São duas pessoas que não se podem ver à frente a fazer desenhos num papel.
Cheguei atrasado a uma reunião, mas valeu por uma pergunta que, anos que viva, nunca vou esquecer.
E por saber que aquele condutor, quando à noite estiver a falar com o seu Opel Corsa, não vai saber qual o farol que está de facto a olhar para ele.

A quanto está o farol?