segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Ressaca

Está estreado. A casa estava cheia, mais do que como um ovo, bem mais. Estava nervoso, muito, confesso. Raramente o estou, mas sexta feira estava. Quando falta uma hora para começar, pensei que não era nada daquilo que eu queria. Queria a minha mãe, o meu sofá, estar debaixo da roupa da cama, tudo, tudo, menos ser actor. Os nervos da espera para entrar rouba anos de vida, e connosco a assistir a tudo. Mesmo. Sentimos o sistema nervoso a picar o ponto e o estômago a cimentar. Tudo. Pensamos que até partir um pé naquele momento era mais reconfortante do que despir, peça a peça, a alma, para 200 pessoas.
Ao atravessar as cada uma das pessoas no Jardim de Inverno, para chegar ao palco e dar inicío à peça, apercebi-me que não há privilégio maior do que ter olhos e peitos dispostos a pagarem para te ouvir. Não há. Um palco é de uma força impressionante. As luzes num palco mudam, a maneira como vêmos as coisas, muda. Mudamos também nós, torna-mo-nos ainda maiores. O palco põe uma gigante lupa sobre tudo o que nos dói ou sorri.
Hoje ainda ressaco, tal é o arrombo dessa lupa. E ouço Camané. Não há nada como a nossa casa. Nada.